Lotação em hospital do Ceará parece 'cenário de guerra', dizem visitantes

Familiares de pacientes do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), em Fortaleza, descrevem a sala improvisada de atendimento em um hall do hospital como um "cenário de guerra". "Parece que houve a terceira guerra mundial e lotaram o local", diz a estudante Rochele Albuquerque, cuja tia sofreu um AVC hemorrágico há 13 dias e espera desde sábado (18) um leito em uma maca quase à altura do chão, ao lado de outras dezenas de pessoas. O HGF é estadual eatende pelo SUS. Segundo o hospital, a instituição não tem leitos suficientes para a demanda e, apesar de estarem em local inadequado, os pacientes recebem bom tratamento. A família espera atendimento em Fortaleza, cidade que tem o 5º pior atendimento pelo SUS entre 21 capitais do Brasil, segundo estudo do governo divulgado nesta quinta-feira.
"Quando entrei (na sala de atendimento) me deparei com macas na fila de espera. Não tem como transitar com tanta maca. Fiquei aterrorizado", diz o sobrinho da paciente, Jair Dângelo, de 20 anos. A ala é chamada entre os pacientes e visitantes de "piscinão", devido à lotação. Ainda de acordo com os pacientes, quando chove, a água invade a sala e molha os internos.
Na sala de atendimento improvisada, as macas ficam a cerca de meio metro uma das outras, quando deveriam estar a uma distância mínima de dois metros e meio, segundo normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). As macas também são montadas ao lado de lixeiras cobertas com sacos plásticos. Outras lixeiras são espalhadas no chão com lixo hospitalar.
A família Albuquerque, que visita diariamente a paciente no hospital, diz que a vítima de AVC foi transferida do Hospital Maria José Barroso, conhecido como Frotinha da Parangaba, onde o atendimento era ainda pior. A família ouviu da diretoria do HGF que a paciente iria receber nesta quinta-feira (1º) um exame para checar o atual estado de saúde. A mulher sofreu paralisia facial e tem dificuldade para reconhecer alguns familiares.
O HGF é administrado pelo governo do estado e atende pelo SUS. De acordo com o diretor geral do HGF, Zózimo Medeiros, a emergência tem 84 leitos e, em média, 70 pacientes ficam em "leitos extras"."Não temos capacidade de garantir leito para todos os pacientes por causa da falta de hospitais de média complexidade nos municípios. Nossa emergência tem tanto paciente porque em algum momento o sistema falhou e eles precisaram vir para cá", diz.
"Chamar de 'piscinão' é maldoso. A única diferança é que os pacientes estão em um lugar que não foi projetado para ser leito. A estrutura de atendimento é a mesma. As macas tem a mesma dimensão de um leito de uma cama. Os pacientes são bem tratados", afirma.
O diretor geral do HGF afirmou que a expectativa é que até o fim do mês de março deste ano a área tenha mais macas. "Estamos esperando uma autorização da Política da Urgência e Emergência de Fortaleza para termos 40 'leitos de retaguarda' em outros hospitais". Em 2011, o HGF registrou 54.571 atendimentos em urgência clínica, cirúrgica e neurológica e 70.239 atendimentos de acolhimento com classificação de risco. Ainda segundo a unidade, 75% dos pacientes do HGF são da Grande Fortaleza. Em dezembro de 2011, reportagem do Jornal Nacional havia mostrado a situação do hospital.
Paciente fica oito dias em uma maca
O auxiliar de produção Inácio da Rocha Neto, de 46 anos, ficou oito dias internado no Hospital Instituto José Frota (IJF), unidade municipal especializada em emergência e urgência noCeará. “Fiquei oito dias em uma maca no corredor da emergência do hospital porque não tinha leito em enfermaria. Não consegui dormir nenhum dia”, afirma. Inácio fraturou a bacia em um acidente de moto no dia 13 de janeiro deste ano e, após esperar por 40 minutos por uma ambulância, foi levado para o IJF. Como não tinha plano de saúde até o acidente, o auxiliar teve de ser atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A mãe de Inácio, Rita Bezerra da Rocha, de 67 anos, acompanhou o sofrimento do filho e afirma que a falta de leitos no hospital deixa diariamente os corredores da emergência lotado de pacientes. “Em alguns lugares da emergência, precisamos passar de lado porque têm duas macas de um lado e duas macas de outro. Tinha umas 200 pessoas no corredor. É horrível. Eu contando ninguém acredita”, afirma. Rita relata que não tinham locais para os acompanhantes dos pacientes. “Quem tivesse sorte, conseguia uma cadeira de plástico para dormir. Vi gente dormindo embaixo da maca em cima de um papelão”, afirma.
Depois de uma semana internado, o paciente foi informado, com base nos exames médicos, que não seria preciso fazer cirurgia. “Ele foi abençoado porque não precisou fazer cirurgia e ficar mais tempo”, diz a mãe. Após 29 dias de alta, o auxiliar de produção afirma estar se recuperando, já consegue andar e resolveu fazer um plano de saúde. “Sou um cidadão, trabalho, pago meus impostos e, quando precisei, fui muito mal atendido. Ninguém está lá porque quer não, é porque precisa”, desabafa.
Situação do IJF
O diretor executivo do IJF, Casimiro Dutra: “O IJF foi criado para atender Fortaleza, mas como a cidade era o principal centro urbano do Ceará acabou concentrando os principais aparelhos sociais. Se o hospital atendesse somente a emergência de nível terciário, o hospital estaria vago”, afirma. O diretor informou que 50% dos pacientes atendidos no IJF não são de Fortaleza, Itaitinga, Eusébio e Aquiraz e quase 80% dos pacientes são de nível secundário. “Esses pacientes não deveriam ser atendidos. O hospital acaba exercendo um papel que não deveria”, afirma.
Entre as medidas emergenciais para resolver a superlotação na unidade, o diretor afirma que existe desde o mês de dezembro um contrato em que são realizadas 200 cirurgias mensais de nível traumatológico em outro hospital. Ainda segundo Casimiro Dutra, nesta quinta-feira (1°), será iniciado um convênio com o Hospital Fernandes Távora para que seja disponibilizado 20 leitos para atendimentos neurológicos de nível secundário.
Além disso, o hospital trabalha, seguindo orientações do Ministério da Saúde, com acolhimento e classificação de risco. “Estamos dividindo o atendimento de acordo com a demanda e o perfil de atendimento. As pessoas fora do perfil são encaminhadas para o hospital indicado”, diz.
Sistema de saúde pública do Ceará
A Secretaria de Saúde do Estado (Sesa) reconhece que historicamemte a demanda é superior à oferta, o que gera fila de espera por cirurgia, exames e consultas. O governo do estado alega que está ampliando e facilitando o acesso da população aos serviços de saúde, evitando transferências para Fortaleza, com o Hospital Regional do Cariri. De acordo com a Sesa, o Hospital Regional Norte tem previsão de ser inaugurado neste semestre. O Sertão Central também terá o hospital e maternidade, no município de Quixeramobim, que está em fase de licitação.
Também para enfrentar a defasagem de leitos, o governo do estado anuncia a construção de uma nova rede de saúde no Ceará. São quatro hospitais regionais, 22 policlínicas regionais, 18 Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), 48 Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs 24 horas). O governo do Estado informa que vai construir ainda, com recursos do Tesouro do Estado, no valor de R$27 milhões, 150 Unidades Bàsicas de Saúde da Família.
Os novos postos de saúde têm 211m², com base nos padrões da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. De 150, 120 unidades foram concluídas e funcionam em 150 municípios que cumpriram critérios de 70% de cobertura do PSF. Dos 18 CEOs regionais, 9 foram inaugurados e estão em funcionamento em Juazeiro do Norte, Crato, Baturité, Ubajara, Crateús, Russas, Acaraú, Sobral, Brejo Santo, segundo a secretaria de Saúde.
De 22 policlínicas previstas, 4 foram inauguradas em Baturité, Camocim, Tauá e Pacajus. Até o final deste semestre, o governo do Ceará promete mais oito, para realizar exames e consultas especializadas, o que pode reduzir fila por exames especializados. Das UPAs 24 horas, uma
funciona em Maranguape, evitando transferências de pacientes para as emergências da capital. Quatro estão com as instalações prontas em Fortaleza, mas a primeira deve ser inaugurada em março. No interior, há oito com as instalações prontas e em fase de instalação de equipamentos.
Fortaleza
Para Fortaleza, o governo do estado diz que além da construção das quatro UPAs 24 horas, há a ampliação e reforma de todos os oitos hospitais da rede estadual (HGF, HM, HIAS, HGCC, HWA, HSJ, HSMM e Hospital Geral da Polícia Militar). As seis unidades ambulatorias da rede estadual na capital também foram todas ampliadas e equipadas: CIDH, Hemoce, Lacen, IPC, Dona Libânia e Centro de Saúde do Meireles.
O G1 entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS), mas não se pronunciou sobre estrutura do SUS em Fortaleza.
Fonte: André Teixeira, Gabriela Alves e Giselle Dutra, https://g1.globo.com/ceara/noticia/2012/03/lotacao-em-hospital-do-ceara-parece-cenario-de-guerra-dizem-visitantes.html